O pagamento da taxa do ECAD nas festas de casamento

Por: Lívia Vital Bueno

Já dissemos que quando um casal decide se casar, mal imagina a quantidade de fornecedores, e detalhes a serem decididos, que encontrará pela frente. O problema é que, somado a eles, algumas novidades, certas vezes surpreendentes e eventualmente desagradáveis, também podem surgir.

Pois é, de acordo com notícia veiculada no início do mês pelo O GLOBO¹ , a grande surpresa de um casal do Rio de Janeiro, cujo casamento foi celebrado na Ilha Fiscal, em novembro de 2010, está relacionada com a taxa, cobrada pelo Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (Ecad), referente aos direitos autorais das músicas que seriam tocadas durante a festa.

A situação enfrentada por esses noivos é recorrente e pode ter sido vivida por muitos de vocês. Porém, como verão abaixo, há a possibilidade de recuperar o valor pago ao Ecad, e, ainda, ser indenizado por danos morais, se o caso. Se, contudo, o pagamento do valor cobrado ainda não tiver sido realizado, há a possibilidade de ajuizar Ação Declaratória de Inexistência de Débito, de modo a se tentar afastar a exigência desse pagamento indevido (o que, em regra, pode ser feito perante um Juizado Especial, sem a necessidade de contratação de advogado ou pagamento de custas).

Leiam a seguir alguns trechos extraídos da notícia mencionada, que conta o que aconteceu com esse casal:

“Ecad é condenado a ressarcir noiva por cobrança em casamento
(…)
Ao assinar o contrato de locação, a noiva foi informada de que deveria pagar uma taxa referente aos direitos autorais das músicas que viriam a ser trilha sonora do enlace. Além do vestido, bufê e todas as altas despesas geradas por uma festa deste porte, Kadja e o marido desembolsaram mais R$ 1.875, destinados ao Escritório Central de Arrecadação e Distribuição, o Ecad. Passadas as comemorações, os dois decidiram entrar com um processo contra a cobrança do Ecad e (…) o juiz Paulo Roberto Jangutta, do 7º Juizado Especial Cível do Rio, condenou o Ecad a indenizar Kadja e Renato em R$ 5 mil, além de devolver a quantia paga pelo casal.
Para o magistrado, o casamento é, por definição, ‘uma festa íntima, na qual inexiste intenção lucrativa, seja de forma direta ou indireta. Festas de casamento podem ser realizadas com fim religioso, como celebração de um ritual civil ou como mera comemoração de uma realização pessoal, porém, não lhes é inerente qualquer aspecto empresarial, ainda que se trate de um evento de alta produção’, escreveu Jangutta em sua sentença, abrindo precedentes para que outros cônjuges também questionem o pagamento judicialmente. A partir de agora, o Ecad tem dez dias para pagar o valor devido ou mesmo recorrer da sentença. Especialista em Direito marítimo, Kadja conta que em nenhum momento durante os preparativos para o casamento concordou com a cobrança.
– Quando soube da existência desta taxa, me senti lesada. Até pela forma como a cobrança é feita: me enviaram um formulário por e-mail, preenchi, mandei de volta para o Ecad com uma cópia do contrato do aluguel do espaço e recebi um boleto de pagamento. Não tive a oportunidade de negociar e nem mesmo de entender a que aqueles R$ 1.875 se referiam. – contou a advogada ao GLOBO, por telefone.
Relatos de festas que teriam sido interrompidas por decisão do Ecad intimidaram os noivos, que decidiram acatar a decisão.
– Quando você organiza uma festa de casamento, você tem mil coisas para decidir e resolver, brigar na Justiça não é uma opção. Só recebi o boleto de pagamento numa sexta-feira à noite, na véspera do casamento e me desesperei, porque já não tinha como pagar àquela hora. Fiz minha mãe subir ao altar com um o talão de cheques na bolsa, estava tudo pronto para o caso de os fiscais do Ecad aparecerem. Felizmente isso não aconteceu, mas na volta da lua de mel precisei entrar em contato com eles novamente para pedir uma segunda via do boleto e então efetuar o pagamento. Se eu não pagasse, havia o risco de eles cobrarem da Marinha, responsável pela Ilha Fiscal.
Resolvida a questão, Kadja enfim decidiu entrar com um processo para reaver o dinheiro junto ao Ecad. Segundo a advogada, que representou a si mesma no processo, o valor cobrado foi calculado não com base nas horas ou na quantidade de músicas tocadas, mas em cima de uma porcentagem do valor pago pelo aluguel do salão.
– Se eu fizesse minha festa no playground do meu prédio ninguém iria me importunar, pois a lei discrimina que festas realizadas em domicílio ou mesmo em igrejas são familiares, mas o Ecad encontrou uma brecha para cobrar a taxa de casamentos realizados em outros locais. Ou seja, porque juntei dinheiro a vida toda para fazer a festa dos meus sonhos, eu teria que pagar um valor extorsivo e sem fundamento. Nem o DJ da festa recebeu cachê, foi um amigo que nos fez a trilha como um presente, os impostos acabaram saindo ainda mais caros.
Com a contestação da cobrança, os noivos esperam servir de exemplo para mais casais ou mesmo realizadores de eventos sem fins lucrativos e que, portanto, não estão ganhando com a execução de músicas durante o evento. Procurado pela reportagem de O GLOBO, o Ecad ainda não se pronunciou.”

Vale dizer que, em maio de 2010, o Tribunal de Justiça de São Paulo já havia se debruçado sobre essa questão ao analisar recurso de apelação interposto pelo Ecad, no qual foi pedida a modificação de sentença desfavorável, que julgou procedente ação declaratória de inexigibilidade de cobrança. Nesse recurso, o Escritório Central afirmou que a Lei de Direitos Autorais (Lei n. 9.610/98 – art. 46) prevê um rol taxativo de exceções que não são consideradas execuções públicas, e que, naquele caso, houve utilização de música por DJ em local de frequência coletiva e que a inexistência de fins lucrativos do evento não dispensa a obrigatoriedade do pagamento de direitos autorais.

Todavia, apesar dos argumentos apresentados pelo Ecad, o desembargador relator da decisão²  proferida foi categórico ao afirmar que: “o cerne da questão se restringe a saber se houve ou não execução pública de músicas de modo a obrigar o apelado (nesse caso o autor da ação) ao pagamento de direitos autorais. Como bem salientou o d. magistrado, ‘a interpretação pretendida pelo ECAD de que teria havido a execução pública das músicas contraria o bom senso e beira as raias do abuso do direito a ele conferido em determinadas situações, dentre as quais não se enquadra o caso em tela.’ No caso, o clube é uma espécie de prolongamento da casa do autor, não se podendo considerar local público, nem sendo a execução coletiva.”

Notem que ao decidir sobre esses casos, os tribunais têm entendido, assim como ocorre nas decisões que autorizam o fumo nas festas de casamento (assunto já abordado em um dos nossos posts), que o local onde o evento é realizado seria a extensão da casa dos noivos e não pode ser considerado local público.

Enfim, a boa notícia é que, em meio a tantos gastos, o casal pode ter uma despesa a menos: taxa do Ecad, nem pensar!

Lívia Vital Bueno
Advogada

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¹ALMEIDA, Eduardo. Ecad é condenado a ressarcir noiva por cobrança em casamento. O GLOBO. Publicado aos 01/03/2012 (Leia mais sobre esse assunto em http://oglobo.globo.com/cultura/ecad-condenado-ressarcir-noiva-por-cobranca-em-casamento-4103620#ixzz1p6ejZA00)

² Apelação n. 994.04.069487-9. TJ/SP – Des. Rel. Maurício Vidigal. Julgado em 04/10/2010.

Lívia Vital Bueno é advogada no escritório Donnini & Fiorillo Consultores Jurídicos e Advogados Associados. Para entrar em contato com ela: liviabueno@donninifiorillo.com.br

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